Demência com Corpos de Lewy

 

        Essa forma de demência, assim como a DA, já foi considerada uma doença rara, até que necropsias sistemáticas mostraram que esta é a se­gunda causa de demência por degeneração primária do sistema nervoso central. O curso é progressivo na Demência com Corpos de Lewy (DCL) e na DA, mas algumas características podem ajudar no diagnóstico diferencial entre as duas doenças. A DCL causa alucinações visuais precoces, que podem mesmo preceder as alterações cognitivas; ainda precocemente ocorre parkinsonismo associado que, diferentemente do que se observa na doença de Parkinson, é caracterizado por bradicinesia e aumento do tono muscular com rigidez plástica, mas com pouco ou nenhum tremor. Adicionalmente, pode-se observar na DCL marcada flutuação, tanto para as alterações cognitivas como para as comportamentais, e a dependência em atividades diárias. Essa flutuação, além de ampla, pode também ser rápida, variando de alguns minutos a poucas horas. Além dessas características principais, podem também ser encontradas altera~ões secundárias, que, quando presentes, sugerem o diagnóstico de DCL, como síncopes e perda transitória da consciência, quedas sem explicação, sensibilidade exagerada a neurolépticos e aluci­nações auditivas. Essas carac­terísticas permitem que se faça o diagnóstico de provável DCL, porque, assim como ocorre com a DA, não existe um método que faça o diag­nóstico definitivo de DCL exceto o exame do tecido cerebral. O exame do cérebro mostrará, em dife­rentes regiões cerebrais, incluindo o sistema límbico, o neocórtex e o tronco cerebral, corpos de inclusão contendo uma proteína chamada alfa-sinucleína. Uma outra semelhança com a DA é que, embora altera­ções progressivas da cognição sejam a forma mais comum de início da doença, esta pode começar também por períodos de confusão recorrentes ou, mais raramente, por alucinações ou alterações do comporta­mento.

        Na DCL as alterações cognitivas podem ser diferentes daquelas en­contradas na DA. Aqui, pelo menos na fase inicial, são acometidas as regiões frontais e parietais. Desse modo, a memória está relativamente preservada, mas, em contrapartida, observam-se alteração da atenção, lentificação da velocidade psicomotora de resposta e dificuldade em ta­refas de desenho e cópia. Em testes nos quais se pode comparar desempenho espontâneo com cópia, por exemplo, o desenho espontâneo de um relógio e a cópia de um modelo de relógio, é possível observar que pessoas com DA benefi­ciam-se da apresentação do modelo para cópia, o que não acontece na DCL, em que o desempenho é ruim nas duas provas.

 

        A demência por corpos de Lewy (DCL) representa, segundo vários autores, a segunda forma mais comum de demência degenerativa primária do grupo senil, perdendo em frequência apenas para a doença de Alzheimer (DA). Ainda assim, a DCL é subdiagnosticada, principalmente porque um de seus critérios diagnósticos centrais, a flutuação cognitiva, é mal definido e difícil de ser avaliado no cenário clínico.

        A idade de início da DCL varia de 50 a 83 anos, sendo que a maior parte dos casos ocorre após os 60 anos, motivo pelo qual é considerada uma forma de demência senil. Parece haver uma discreta predominância de homens comprometidos pela doença.

        O quadro clínico é tradicionalmente caracterizado por uma tríade composta:

        1.Demência.

        2. Sintomas parkinsonianos.

        3. Sintomas psiquiátricos.

        Esta tríade, porém, nem sempre está completa. A demência é, habitualmente, a síndrome inaugural. Uma minoria de pacientes apresentam-se somente com parkinsonismo, outros apenas com sintomas psiquiátricos e outros ainda com hipotensão ortostática, quedas ou distúrbios transitórios da consciência.

        A flutuação no desempenho cognitivo e no nível de consciência é considerada a característica mais saliente da DCL. Tal flutuação pode ser observada de um dia para ­outro ou, muitas vezes, mesmo em intervalo de horas, e é muito diferente das tímidas variações de desempenho cognitivo que podem ser encontradas nas outras formas de demência. A atenção e o nível de consciência também podem flutuar de forma extrema como sugerido pelas variações transitórias da responsividade, nas quais os pacientes permanecem mudos e não-responsivos por alguns minutos.

        Mais de 70% dos pacientes apresentarão parkinsonismo, às vezes tão grave quanto o que observamos na DP. As manifestações mais comuns deste são: bradicinesia, rigidez de membros e distúrbio da marcha. Como na atrofia de múltiplos sistemas, o SNA pode também estar envolvido, como sugerido pela ocorrência de quedas e síncope em mais de um terço dos pacientes.

        Aproximadamente dois terços dos pacientes com DCL experimentam alucinações visuais (reportam a visão de pessoas na casa ou animais que aparentam ser reais, mas que geralmente não fazem barulho) com reações afetivas variadas diante deste fenômeno. Um episódio depressivo maior pode ser encontrado em 40% destes pacientes, porcentagem parecida com a que encontramos na DP.

        Critérios de consenso para o diagnóstico clínico da DCL possí­vel e provável:

        1. A característica central requerida para o diagnóstico de DCL é o dedínio cognitvo progressivo de magnitude suficiente para interferir na função social ou ocupacional normais. Prejuízo de memória proeminente ou persistente pode não necessariamente ocorrer nos estádios iniciais, porém torna-se frequentemente evidente com a progressão da doença. Déficits nos testes de atenção e de habilidades fronto-subcorticais e da função visuoespacial podem ser especialmente proeminentes.

        2. Duas das seguintes características centrais são essenciais para o diagnóstico de DCL provável e apenas uma é requerida para o diagnóstico de DCL:

        a) flutuação cognitiva com variações pronunciadas na atenção e no alerta;

        b) alucinações visuais recorrentes tipicamente vívidas e detalhadas;

        c) características motoras de parkinsonismo espontâneo.

        3.Características de suporte ao diagnóstico:

        a) quedas repetidas;

        b) síncope;

        c) perda transitória da consciência;

        d) sensibilidade aos neurolépticos;

        e) delírios sistematizados;

        f) outras modalidades de alucinações.

        4.Diagnóstico de DCL é menos provável na presença de:

        a) doença cerebrovascular, evidenciada mediante sinais neurológicos focais ou pelos exames de neuroimagem;

        b) evidência no exame físico e na investigação de qualquer condição médica, ou outro distúrbio cerebral, suficiente para justificar o quadro clínico.