Demência Vascular

 

        Provavelmente seria mais adequado falar em demências vasculares, pois apresentações bastante diferentes entre si são agrupadas aqui. In­vestigações no início do século XX, realizadas com o cérebro de pessoas com demência e alterações vasculares, levaram à concepção de que ocor­re um progressivo estreitamento e bloqueio das grandes artérias cere­brais, com redução do fluxo sangüíneo cerebral, morte de neurônios, atrofia cerebral e demência. Essa idéia, como mencionado anteriormen­te, está equivocada para a imensa maioria das demências, e é difícil defendê-Ia mesmo na demência vascular.

        Presume-se que a principal causa de demência vascular, anterior­mente chamada de demência multiinfarto, seja uma doença vas­cular cerebral múltipla, resultando no padrão de sintomas de de­mência. Ela é mais comum em homens, especialmente naqueles com hipertensão preexistente ou outros fatores de risco cardio­vascular. O transtorno afeta principalmente os vasos cerebrais pequenos e médios, que infartam e produzem lesões parenqui­mais múltiplas ao longo de amplas áreas do cérebro. As causas dos infartos podem incluir a oclusão dos vasos por placas arterioscleróticas ou tromboembolia de origem distante (como válvulas cardíacas). Um exame pode revelar ruídos na carótida, anormalidades no exame de fundo de olho ou alargamento das câmaras cardíacas.

        A demência vascular pode ser causada por isquemia ou, mais rara­mente, por hemorragia cerebral. A demência vascular por isquemia tem três padrões básicos:

        . Demência por múltiplos infartos - ocorrem acidentes vascula­res cerebrais (A VCs) repetidos, levando à piora súbita seguida por estabilização, com um novo AVC e nova piora seguida por esta­bilização, em uma evolução conhecida como "progressão em degraus': Essa progressão sugere demência vascular, mas não é a única apresentação desta condição.

         . Demência por infarto estratégico - diferentemente da situação anterior, ocorre um único AVC, mas em uma área crítica (por exemplo, giro angular esquerdo), levando a múltiplos déficits cognitivos. Como se pode perceber, esta é uma demência de instalação praticamente instantânea.

         · Demência por alteração em pequenos vasos - existem formas ra­ras, algumas delas familiares, para esta modalidade de demên­cia vascular, mas o mais comum é uma das seguintes condições: alteração de artérias de calibre muito pequeno, com desmieli­nização progressiva do sistema nervoso central; ou alteração de artérias de calibre um pouco maior, provocando AVCs de exten­são muito pequena, as chamadas lacunas. A evolução também será progressiva.

        A demência vascular é uma síndrome em si. Existem causas raras para a patologia vascular cerebral, mas, na grande maioria dos casos, a demência vascular está associada a fatores de risco comuns para doença vascular, como hipertensão, diabetes e dislipidemia. Essas informações nos permitem imaginar como é a apresentação de uma pessoa com demência vascular e, na realidade, foram utilizadas como parte dos critérios diagnósticos dessa condição (Román, Tatemichi, Erkinjuntti, 1993). Assim, a possibilidade de demência vascular deve ser co nsiderada quando:

        · A demência, ou seja, a alteração de memória e de outras funções cognitivas, iniciou-se em um curto período, de até 3 meses, após umAVC.

        · Há alterações focais, por exemplo, hemiparesia ou assimetria dos reflexos, no exame neurológico.

        · Há no diagnóstico.por imagem, como tomografia ou ressonân­cia magnética, alterações vasculares compatíveis com as altera­ções clínicas.

        · Ocorre evolução em degraus.

        Por outro lado, o diagnóstico de demência vascular é improvável quando a memória, linguagem, praxia e outras funções cognitivas es­tão alteradas precocemente, a menos que haja uma lesão vascular que justifique os sintomas; não há alterações focais no exame neurológico; não há alterações vasculares no diagnóstico por imagem.

        Como as lesões vasculares podem ocorrer em diferentes regiões, as alterações cognitivas também serão variáveis, mas de um modo geral a substância branca dos lobos frontais é afetada, levando a um quadro característico de lentificação e alteração da função executiva, acompa­nhado por alteração do comportamento, com apatia e desinibição. Em uma fase inicial, testes que não incluam restrição de tempo podem não detectar esses indivíduos. Por outro lado, testes em que o tempo é rele­vante, como os de fluência verbal, mostrarão um desempenho reduzido.