Doença de Alzheimer

 

        A DA é largamente a causa mais comum de demência, sendo res­ponsável por 50% a 70% do total de casos. Essa parece ser uma doença multifatorial, na qual há características genéticas que, em associação com fatores ambientais ainda não identificados, levam à perdá progressiva de neurônios e às manifestações clínicas da doença. Em linhas gerais, ocorre a deposição de duas proteínas que existem normalmente no cé­rebro como parte dos neurônios, que são metabolizadas de maneira anormal nessa doença. Assim, a proteína betaamilóide deposita -se como placas senis no espaço extracelular, enquanto a proteína tau deposita­se dentro dos neurônios como emaranhados neurofibrilares; e em am­bos os casos há associação com a morte de nemônios. Esse processo não ocorre de modo simultâneo em todas as regiões cerebrais, mas tem pre­ferência por determinadas áreas, o que justifica a maneira como a DA evolui. É importante lembrar que, quando se fala em diagnóstico de DA, fala-se em DA provável, ou seja, em demência para a qual foram excluí­das outras causas de demência. Para falar em DA definida, é necessário demonstrar um número suficiente de placas senis e emaranhados neu­rofibrilares mediante o estudo de tecido cerebral, obtido por biópsia cerebral ou por necropsia. Como nenhum dos dois procedimentos é rotineiro, trabalhamos quase sempre com o diagnóstico de DA prová­vel, o que implica uma margem de erro de 10% a 15%, se'o diagnóstico for feito de modo cuidadoso.

        Uma parte das pessoas com essa doença tem a chamada forma fa­miliar da DA, para a qual foram identificadas mutações em algumas famílias. Entretanto, esse grupo é reduzido, correspondendo a 5% a 10% do total de pessoas com DA, a qual é iniciada antes dos 65 anos, muitas vezes até em torno dos 50 anos. A forma mais comum de apresentação da DA é a esporádica, na qual não existe um histórico familiar tão evi­dente e o início é após os 65 anos.

        Para o diagnóstico clínico é essencial um bom histórico e um exa­me cuidadoso, em particular do estado mental. A DA afeta a cognição e o comportamento e, pela alteração nessas áreas, leva a uma progressiva dependência nas atividades da vida diária. Entre as primeiras manifes­tações e o estágio final, a duração média da doença é de 12 a 14 anos, embora possa ser muito menor (4 ou 5 anos) ou muito maior (20 anos). Por ser uma doença de longa duração e progressiva, não é difícil perce­ber que raramente será possível determinar com precisão os primeiros sintomas. Tipicamente, conversando com diferentes membros da famí­lia, percebe-se discrepância quanto a esse ponto, em geral no sentido de ignorar os primeiros anos de manifestação da doença.

        Os primeiros sintomas estão relacionados à progressiva dificulda­de de memória recente ea alteração do comportamento, com depres­são e isolamento social ou irritabilidade. Assim, as primeiras alterações observadas são a dificuldade em lembrar recados e compromissos, no­mes de pessoas com as quais não há um convívio diário, listas de com­pras, onde foram guardados objetos. Adicionalmente, o indivíduo tende a repetir as 'mesmas perguntas ou contar as mesmas histórias. Ainda nessa fase, pode haver comprometimento da capacidade de planejamen­to e da orientação temporal. O impacto no dia-a-dia pode ser observa­do pela dificuldade em controlar as próprias finanças, pelo abandono de passatempos, como a leitura, e de jogos com regras, como os de car­ta. A realização de pequenos consertos passa a ser complicada, assim como o uso de novos eletrodomésticos, para cujo funcionamento são necessários procedimentos diferentes daqueles do modelo antigo. A combinação de depressão, dificuldade de memória e dificuldade de lin­guagem, que será vista no texto seguinte, dificulta o convívio social, que pode ser abandonado. Nessa fase, ao ser trazido para avaliação, o paciente geralmente nega ou tenta racionalizar as próprias dificuldades - a pre­sença de dificuldades evidentes de memória e planejamento, que são negadas pela própria pessoa, deveria sugerir sempre a possibilidade de demência. Na DA o exame neurológico será normal, e a avaliação cognitiva mostrará basicamente alterações da memória de evocação, orientação temporal, função executiva e linguagem. Nesse sentido, os testes mais sensíveis para o diagnóstico precoce de DA são os de memó­ria, que exigem evocação livre ou o aproveitamento de pistas.

        Adicionalmente, há di­ficuldade da função executiva, um termo que abrange a capacidade de abstração e o planejamento. É por essa razão que, mesmo em uma fase inicial, pessoas com DA têm dificuldade com provérbios, cuja interpre­tação é concreta, na cópia de figuras geométricas e na construção com cubos Altera­ções de linguagem também estão presentes.

        Com o avançar da doença, as deficiências da memória tornam-se mais acentuadas, assim como a desorientação temporal, que passa a ser acompanhada por desorientação espacial, com dificuldade mesmo em trajetos conhecidos, de modo que sair sem acompanhante torna-se di­fícil. As alterações, de linguagem tornam-se mais evidentes e compro­metem ainda mais a convivência social, especialmente fora do círculo imediato da família. Em relação ao comportamento, pode haver irrita­bilidade mais acentuada, oscilações de humor e idéias de conteúdo persecutório ou de roubo. Além da perda de independência social, di­rigir torna-se uma atividade sujeita a riscos. Posteriormente, a depen­dência passa a comprometer aspectos mais simples do dia-a-dia, sendo notado, em muitos casos, que a capacidade de selecionar roupas de acor­do com a temperatura e a ocasião está comprometida.

        A passagem da fase inicial para a moderada pode ser delimitada, entre outros pontos, pela dependência para atividades básicas cotidia­nas. Nessa fase, a memória está claramente comprometida, o que é evi­dente mesmo em um contato superficial. A linguagem está ainda mais comprometida, e podem aparecer déficits perceptuais. Em relação ao comportamento, aparecem ou tornam-se mais intensos os sintomas mais desgastantes para o cuidador. As idéias de conteúdo persecutório passam a ser mais freqüentes e sistematizadas, como delírios de roubo, perseguição ou infidelidade, em geral dirigidos à pessoa com a qual a convivência é maior. Os delírios podem ser acompanhados por alucinações visuais ou auditivas, que podem levar a agitação e agressi­vidade. Esta, por sua vez, também pode ser uma reação à manipulação inadequada, à exigência excessiva em relação às possibilidades de desem­penho ou ocorrer sem razão aparente. Do ponto de vista funcional, a dependência para atividades básicas, como o banho ou a troca de rou­pa, é maior - pela dificuldade práxica, inicialmente é preciso supervi­são para que a tarefa seja feita de maneira adequada, mas, à medida que a doença avança para o estágio grave, é necessária a execução pelo próprio cuidador. Com a progressão da doença, a cognição e a possibilida­de de interação são perdidas. Não há mais o reconhecimento, nem mesmo de pessoas mais próximas e da própria casa. A dependência tor­na-se total e, no estágio final, geralmente essas pessoas estarão mudas e restritas ao leito, sujeitas a aspiração, com o conseqüente risco de pneu­monia, e escaras infectadas.

        Enquanto nas etapas moderada e grave um exame superficial per­mite fazer um diagnóstico sindrômico de demência, na fase inicial tal­vez seja complicado determinar se houve de fato um declínio cognitivo, o qual, quando presente, pode significar CCL, um diagnóstico diferen­cial com DA inicial. Ocasionalmente, apenas a avaliação seriada, por exemplo em intervalos de seis meses, permite esse diagnóstico diferen­cial. Uma avaliação cognitiva adequada é essencial, e é importante lem­brar que a medicação e os programas de reabilitação disponíveis para a DA têm mais chance de sucesso em uma fase inicial. Estas deveriam ser razões suficientes para encarar com seriedade a queixa de dificuldade de memória em idosos e para chegar a um diagnóstico etiológico o mais exato possível, já que isso faz diferença em relação ao tratamento. Além do diagnóstico de DA e CCL, deve-se considerar também a diferencia­ção entre DA e outras causas de demência.